O adoecimento dos professores não é um erro do sistema. É parte dele.
No fim de maio, o Brasil se deparou com a trágica notícia da morte da professora Silvaneide Monteiro Andrade, dentro da escola em que trabalhava em Curitiba, no Paraná.
Silvaneide havia sido cobrada pela direção da escola por apresentar baixo desempenho no uso de uma plataforma digital do governo estadual. A suspeita: exaustão.
Diante de casos assim, as redes sociais se mobilizam por algumas horas. A dor é sentida, comentada… e logo esquecida.
Mas a pergunta que deveria ecoar com mais força permanece negligenciada:
Quem está ganhando com o cansaço de quem ensina?
Não é falha. É projeto.
O senso comum ainda tende a tratar o adoecimento docente como consequência de falhas administrativas: falta de recursos, má gestão, despreparo. Mas uma análise mais crítica e profunda revela algo mais incômodo:
O esgotamento dos professores não é um acidente de percurso.
É uma engrenagem funcional dentro de um modelo neoliberal de educação.
A precarização da docência — com baixos salários, jornadas excessivas, metas inalcançáveis, responsabilização individual e desvalorização simbólica — não acontece por acaso.
Ela abre espaço para justificar o que já está planejado: a substituição progressiva do professor por tecnologias, a terceirização da escola pública e a privatização silenciosa das redes de ensino.
Como o cansaço serve à lógica do mercado?
Quando o professor está cansado demais para questionar, ele se torna funcional.
Quando as redes não conseguem mais contratar docentes, surge a “necessidade” de alternativas:
- Plataformas adaptativas que prometem ensino personalizado
- Aulas prontas por inteligência artificial
- Empresas privadas assumindo “a gestão pedagógica” de escolas públicas
- Organizações sociais ocupando o lugar da política pública
Tudo isso vem embalado em discursos suaves:
“Estamos inovando.”
“A tecnologia está aqui para ajudar.”
“Precisamos nos adaptar ao futuro.”
Mas o que está em jogo não é só inovação.
É a reconfiguração de um modelo de educação pública que, aos poucos, deixa de formar sujeitos críticos para formar consumidores funcionais e obedientes.
A lógica da performance e o sofrimento docente
Autores como Christian Laval e Pierre Dardot mostram como o neoliberalismo atua nas subjetividades. Ele transforma o trabalhador — inclusive o professor — em empresa de si mesmo, responsável por seu sucesso e por seu fracasso.
A lógica da performance invade a escola:
- O professor deixa de ser educador para virar “entregador de resultados”
- A formação deixa de ser reflexão para virar “capacitação técnica”
- O cuidado com o professor se transforma em “autocuidado”, terceirizado e individualizado
Nesse modelo, quem adoece se sente culpado.
Mas o que está doente não é o indivíduo — é a estrutura.
O risco real: não teremos mais professores
Segundo o Censo Escolar e diversos levantamentos nacionais, o número de professores que desistem da carreira só cresce.
Nas próximas décadas, a falta de professores formados para atuar na educação básica será uma realidade crítica, especialmente nas redes públicas.
Mas aqui está o ponto central deste texto:
Essa escassez não é um erro de planejamento.
É parte do projeto de sucateamento.
Porque, ao tornar a profissão insustentável, o sistema prepara o terreno para uma solução mais “eficiente”: um modelo gerido por poucos, guiado por algoritmos e desvinculado da presença humana e crítica do educador.
Cuidar do professor é resistência política
Falar sobre saúde mental docente não é apenas um gesto de empatia.
É uma escolha política.
É um ato de resistência contra a desumanização da educação.
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